segunda-feira, 31 de maio de 2021

Viver é um ato de coragem

              A perda de um ente querido é uma das piores dores que podemos sentir. Infelizmente não estamos imunes a esse sofrimento, cada um tem seu jeito de enfrentar a dor e lidar com o luto. Nasci em uma grande família italiana, desde a minha infância a morte sempre esteve presente, mas a que mais me trouxe sofrimento foi a morte de minha avó materna. 
              Eu tinha uma ligação muito forte com minha avó, ela foi o elo mais forte que tive nessa vida, mesmo tendo passado décadas, ainda sinto como se tivesse ocorrido ontem. Já não sofro pela saudade, mas um grande choque ficou em minha mente infantil, por muitos anos eu apaguei da memória o que aconteceu naquele dia, somente com terapia e regressão pude recordar com detalhes aquele triste dia.
               Tinha 10 anos de idade, uma vida inteira pela frente, estava ansiosa pela minha primeira eucaristia, quando aconteceu o falecimento. Na ida para o velório, eu acreditava que era uma brincadeira, afinal minha vó era imortal na minha percepção infantil, mas ao deparar-me com ela no caixão, passei por um choque tão grande que entrei em transe. Segundo familiares, paralisei, parecia uma estátua e do nada comecei a gritar, gesticular e bater no caixão. Quase derrubei o caixão com minha avó dentro de cima da mesa ao qual estava.
                Para mim aquilo era uma brincadeira de mal gosto, pois ao me aproximar do caixão, vi minha avó de olhos abertos e sorrindo para mim. Hoje passados muitos anos e com o conhecimento espiritual que tenho, sei que o que vi era o espírito dela. Quando fiz a regressão e vi o ocorrido, fiquei assustada, pois nunca pensei que poderia fazer algo como aquilo.
                Eu a vi sair do caixão e vir em minha direção, ela estava calma, serena, andando normalmente. Minha vó sofreu um acidente, caiu do cavalo e fraturou a perna, nunca mais andou sozinha, sem ajuda de uma bengala ou cadeira. 
                Imagina o desespero de uma criança de 10 anos que vê sua vó vindo na sua direção e ninguém mais vê. Eu chorava, gritava: 
                -Olhem, ela está bem, não está morta, parem de rezar.
                Minha fama de louca começou ali. Fui tirada de lá pela minha mãe que chorava muito, meu pai já queria me dar uns tapas. Me levaram pra fora e mandaram que eu ficasse lá, se entrasse para dentro iria apanhar. Fiquei num canto perto do estábulo chorando, não entendia o que estava acontecendo. Nisso uma senhora vem na minha direção, me abraça e diz que iria cuidar de mim. Saímos andando, com ela quase me carregando.
                 Fomos para o porão, essa parte da casa de uma família italiana é quase um mercado, tem de tudo, o porão é o local onde é guardado os cereais, as latas com carne de porco cozida e conservada em banha, queijos, salames e os barris de vinho. Nos sentamos num banco e essa senhora ficou conversando comigo, adormeci em seu colo e só acordei com minha mãe gritando desesperada.
                 Juntando os relatos de minha mãe e da regressão consegui chegar a conclusão que causei um transtorno enorme para todos. Essa senhora que me ajudou era o espírito de minha bisavó, mãe de minha avó, nem minha mãe a conheceu, enquanto eu estava no porão o tempo passou e eu tinha desaparecido. Minha mãe não pode ir ao cemitério acompanhando o corpo porque eu havia sumido, como o sitio é muito grande, com rios e muitas terras, um grupo ficou me procurando.
                 Minha vida após aquele dia foi focada num só pensamento, eu precisava arranjar um jeito de  morrer para ir ao encontro de minha vó. A mente infantil é muito ativa, passado um mês e com tudo planejado, saí cedo de casa rumo a minha morte. Escolhi uma rua muito movimentada da pequena e pacata cidade que eu morava, dias antes já havia ocorrido uma morte naquele mesmo lugar.
                Era muito cedo, o dia começava a amanhecer, as ruas estavam desertas e ali passava um grande número de caminhões em alta velocidade, cheguei na esquina e me preparava para correr para o meio da rua assim que ouvisse o barulho de um caminhão, quando fui dar o primeiro passo, alguém me puxa rapidamente e diz:
                -Você não vai fazer isso de novo. 
                Me viro desesperada, pois não tinha visto ninguém na rua. Deparo-me com um senhor, todo vestido de branco e pergunto:
                -Quem é você?
                -Sou um amigo, quero te mostrar algo.
                Olho na direção indicada e vejo que minha avó estava ali. Minha mente não conseguiu entender, como pode, afinal ela estava morta. Me jogo em cima dela e permaneço num abraço quase interminável. O homem toca em minha cabeça e um clarão cobre meus olhos. Imagens começam a surgir em minha mente, eu vivendo com eles em um lugar lindo, eu estudando sobre a vida depois da morte, um enorme conhecimento começa a surgir em minha mente, ocorre uma explosão no meu cérebro, sinto uma dor insuportável, mas eu estava abraçada com minha avó e todo o resto não era importante.
              Não sei quanto tempo durou, na minha percepção infantil foram horas, hoje sei que o tempo no plano espiritual é diferente. Ao acordar, eu estava sentada no meio fio e ainda não tinha amanhecido. Voltei pra casa e ninguém nunca desconfiou de nada, segui com minha vida, sabendo que durante a noite eu ia ao encontro desses novos amigos, criei uma vida paralela, aqui no plano físico eu era apática, vivia sem muitas alegrias só esperando a noite chegar.
             Com o passar dos anos, conheci o espiritismo, nos livros espíritas encontrei o conhecimento escrito de tudo o que eu já conhecia um pouco. A morte não existe para aqueles que acreditam na continuidade do espírito, mas o sofrimento, a dor e a saudade irão nos acompanhar por muito tempo.
             Poder ir no plano espiritual é bom, lá podemos reencontrar nossos amigos e as pessoas que amamos, mas não é como quando estamos encarnados. A vida não é cor de rosa, muito pelo contrário, é muito cinza e escuro, mas cabe a cada um de nós passar por esses momentos difíceis, esse é o grande aprendizado. Viver é um ato de coragem do espírito que quer mudar e aprender a ser melhor.
                  

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